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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

CONGADA MUITO FOLCLORE E BELEZA




A Congada: da religião e folclore
Maria José de Deus

Dança com característica africana, a Congada mescla elementos religiosos e históricos, resistindo ao tempo graças à devoção passada de geração em geração pelo povo caiçara

Ao som da marimba, e na luz do sol ardente que cintila sobre o mar azul de Ilhabela, cidade turística do litoral norte de São Paulo, acontece a Festa de São Benedito, cujo ponto alto é a Congada. Teatro de origem bantu, a homenagem ao padroeiro do povo negro, é também realizada no interior de São Paulo e Minas Gerais. Em Ilhabela, ela apresenta certas peculiaridades, e é exibida todo o ano no terceiro domingo de maio.
"Esta é uma manifestação religiosa e folclórica muito importante para a Ilha, e só existe pelas promessas dos congueiros e seus familiares, que vão passando a devoção de geração em geração. Contudo, está sendo necessário realizar um trabalho de conscientização entre crianças e jovens nas escolas", revela Iracema França Lopes Correia, pesquisadora do folclore da cidade, e autora do livro A Congada de Ilhabela na Festa de São Benedito.
A encenação nas ruas chama a atenção de turistas e estudiosos para a riqueza religiosa, cultural e histórica. "Há 50 anos, vinha gente de todas as imediações para participar da festa, e a Congada chegava a ter cerca de 100 integrantes", relembra Lecy Nair de Oliveira Santos, 64 anos, que prepara comida na Ucharia, palavra que significa "despensa da casa real", e designa o local onde é servido o almoço durante os dias dos festejos para os congueiros e convidados. Desde os cinco anos, Lecy acompanhava a avó, e recorda que o avô, obedecendo a um costume antigo, doava animais e alimentos para o almoço. "Hoje, os meus filhos e netos não demonstram interesse pela tradição", lamenta. Naquele tempo, a Irmandade de São Benedito era responsável pela organização de novenas, tríduos, procissões, missas e quermesses. Hoje, as celebrações na igreja ficam por conta do padre José Brahmakulam Chacho, missionário indiano que conta com a ajuda dos paroquianos.
Ainda que alguns pensem que daqui alguns anos tudo possa acabar, em vista do desinteresse e da influência de outros meios culturais, os sinais ainda são animadores. São Benedito é também responsável pela miscigenação e renovação dos congueiros. Dos cerca 45 participantes atuais, 90% são gente jovem e crianças de até 3 anos de idade, afro-descendentes, caiçaras e brancos.
Por exigência e fidelidade, eles só dançam na cidade. "Não apresentamos fora daqui, porque acreditamos que a Congada perde suas características originais, e pode até acabar como aconteceu com a de São Sebastião exibida fora da Festa de São Benedito", explica José Ribeiro dos Santos (Zé de Alício), que aos 67 anos dança como se estivesse com 10. Junto com Benedito Hipólito de Carvalho ( Dito), 70 anos, que faz o papel do rei, ele é exemplo para os mais jovens.
"Meu avô era italiano e minha avó negra, ambos trabalhavam intensamente durante a festa. Além do cumprimento da promessa de meus pais, emociono-me participando da missa, da procissão, vendo a imagem de São Benedito e a devoção dos mais velhos, principalmente do Zé de Alício e do Dito", revela Gilmar Gomes Pinna Jr, 17 anos. Ele é morador da Ilha, prepara-se para o vestibular de publicidade, freqüentando cursinho em São Paulo, e não deixa de participar da Congada como fidalgo.

Confraternização

A festa começa sempre na sexta-feira com o levantamento do mastro em frente à igreja de Nossa Senhora d'Ajuda, padroeira da cidade. Nessa tarde há repique de sinos, são soltos fogos, e é servida a consertada, uma bebida caiçara à base de pinga, açúcar, canela e cravo socados.
Além de incorporar referências sobre a guerra entre mouros e cristãos, o enredo apresenta o desentendimento entre os dois grupos que desejam homenagear São Benedito. O embaixador mouro e pagão com seus congos de baixo, declara guerra ao rei cristão e seus fidalgos, também chamados de congos de cima ou vassalos.
O desenrolar dos acontecimentos, durante os bailes, é marcado pelos ritmos da marimba e atabaques, e pela beleza das danças, executadas com virtuosismo pelos congueiros, que ainda mostram habilidade com espadas, e na declamação de embaixadas - versos falados diante do rei em louvor ao santo.
A narrativa carregada de lirismo nas falas e melodias, soa como uma reza, um louvor e, às vezes, como um lamento dirigidos também à Virgem Maria e ao Menino Jesus.
No sábado, os fidalgos com trajes de cetim azul, tendo à frente o rei e a rainha se dirigem à igreja para buscar o andor de São Benedito. Carregam-no pelas ruas do centro em procissão, fazendo a meia lua e entoando: "Senhora Sant'Ana, Santa Luzia (2x). Dai-me o louvor a Virgem Maria. Hoje é nosso dia" (2x). Eles são acompanhados de longe pelos congos de baixo que vestidos de cetim rosa também executam passos de dança em direção ao cortejo. Logo a seguir, começa o primeiro baile, chamado de Macambá, uma cantiga dos congos de baixo em preparação para a guerra. O segundo baile é o Alvoroço ou Jardim das Flores, marcado pelo ritmo intenso dos instrumentos, determinando o ápice do conflito. No domingo, há o desfecho no terceiro e último baile, também chamado de São Mateus. O personagem é preso, se identifica como filho desaparecido do rei, e eles fazem as pazes.
"Isto acaba acontecendo na vida real com muitos congueiros que por algum motivo não se falavam. Durante e no final da festa, todos se abraçam comovidos como numa irmandade", observa Rosângela Aparecida Lacativo Pinna, mãe de Gilmar e de Baepi Lacativa Pinna, 8 anos que interpreta o cacique do rei.

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